Água Subterrânea e Saúde Pública (Manancial III)

Água Subterrânea e Saúde Pública (Manancial III)

Fahad Moysés Arid*

A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) criou, na década de 80/90, o Programa de Prevenção e Controle de Contaminação de Águas Subterrâneas, que propôs identificar os principais problemas de poluição dessas águas e preparar subsídios tecnológicos para avaliação e prevenção, a fim de proteger a saúde pública.

No Brasil, o pequeno avanço da legislação não criou nenhum programa ou política adequados. Apesar da Lei nº 9433/97 - Lei das Águas, que estabeleceu a Política Nacional das Águas, falta legislação específica para as águas subterrâneas. Alguns estados, como São Paulo, se anteciparam à própria lei federal, modernizando sua legislação de águas, disciplinando o uso e explotação das águas subterrâneas.

A Lei Estadual nº 6134/88, que dispõe sobre a preservação dos depósitos naturais de águas subterrâneas no estado, de iniciativa do ministro Aloysio Nunes Ferreira Filho, então líder do governo na Assembleia Legislativa, regulamentada pelo Decreto nº 32955/91, reformulado recentemente, atribuiu à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, ao DAEE e à Secretaria Estadual de Saúde o controle público dos poços profundos. A Lei nº 7663/91, que criou a Política Estadual de Recursos Hídricos, de iniciativa do deputado Sylvio B. Martini, ampliou consideravelmente o controle público de todos os recursos hídricos do estado.

Atualmente, além dos requisitos bacteriológicos, devem ser determinados também os contaminantes físico-químicos para definir a potabilidade da água. O Laboratório Regional do Instituto Adolfo Lutz elaborou, sob coordenação científica desse autor, amplo estudo sobre a qualidade da água subterrânea em Rio Preto, propondo programa de controle público, mais tarde estendido para todo o estado.

Concluiu-se:

  1. Cerca de 30%, em média, dos 3.500 poços estimados são contaminados por coliformes fecais;
  2. o maior número de casos ocorre na área central, nas áreas vizinhas e nos eixos urbanos, onde até 70% dos poços estão comprometidos;
  3. há deficiências de construção técnica dos poços e inadequada manutenção;
  4. ausência de controle público, de fiscalização e falta de cumprimento da lei, bem como omissão do consumidor.
  5. Águas "moderadamente duras a duras" (águas salobras), embora no limite dos padrões toleráveis de potabilidade, provocam inconvenientes ao consumo humano e à rede de distribuição, levam a incrustações e corrosão da tubulação e de caldeiras, têm sabor inadequado e são impróprias para uso doméstico. Teores elevados de nitratos, resultantes da oxidação dos compostos orgânicos nitrogenados, comprometem a qualidade da água em cerca de 20% dos poços.

    Em nossa cidade, provêm de vazamentos e infiltrações de esgotos da rede pública ou privada. Esses nitratos possuem efeitos tóxicos sobre crianças recém-nascidas (cianose) e idosos. A criança torna-se apática e sonolenta; a pele adquire uma coloração azulada em consequência de alterações sanguíneas importantes e eles acumulam-se no fígado, pâncreas, baço, pulmões e em outros órgãos, provocando doenças cumulativas graves.

    Essa contaminação bacteriológica e química foi se ampliando no decorrer do tempo (1960-99), certamente resultado da falta de infraestrutura, planejamento e controle das águas. Soluções pontuais e políticas permitiram a perfuração abusiva de poços profundos, provocando sua poluição e contaminação.

    Projetos de poços profundos devem obedecer às normas da ABNT e ser submetidos previamente ao DAEE para autorização; mas a população deve assumir a responsabilidade pelo uso correto dos recursos hídricos. Nem mesmo o DAEE, apesar da lei, tem conseguido exercer rigoroso controle e fiscalização da qualidade do poço e da água extraída. Leis municipais tentaram controlar, mas sem sucesso, a perfuração de poços na cidade. Em muitas cidades, o Ministério Público tem ingressado com ação civil pública, obrigando proprietários a cadastrarem seus poços para o efetivo controle público pelo estado e pelo município.

    A questão da água em Rio Preto deve permanecer em debate. O silêncio da sociedade poderá ser interpretado como acomodação ou aceitação dessa desastrosa ausência de uma política das águas na cidade. Considerando-se que 60% da população é abastecida por água subterrânea, políticas públicas e estratégias integradas devem ser compromissadas visando à racionalização do uso das águas e à preservação dos mananciais e da água distribuída à população. Dessa forma, controlando a perfuração, a poluição e a contaminação dos lençóis subterrâneos, reduzindo-se as altas taxas de perdas e desperdícios e garantindo essa preciosa fonte, com potabilidade inquestionável, para nós e para as futuras gerações.

    (*) Geólogo. Professor titular de Geologia e Paleontologia da Universidade Estadual Paulista - UNESP. Centro de Geologia Aplicada. Consultor em Recursos Hídricos, Saneamento Básico e Meio Ambiente.

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